Laboratórios virtuais de liderança
08 set 2015
Quer ver uma prévia do ambiente de negócios do futuro? Vá conferir um jogo de RPG online para múltiplos participantes. Quem comanda equipes num universo virtual desses cultiva habilidades que serão exigidas de dirigentes de empresas no futuro. Além disso, esse tipo de jogo cria um ambiente propício a uma liderança mais eficaz — ambiente que muitas empresas poderiam tentar reproduzir, de modo criterioso, em sua organização.
Essas são as principais conclusões de um estudo conduzido por Reeves, da Stanford University; Malone, do MIT; e O’Driscoll, da North Carolina State — todas instituições americanas. Como parte de uma análise feita pela Seriosity, empresa que desenvolve software empresarial inspirado em jogos, os autores estudaram indivíduos que chefiam equipes em jogos online. Além disso, ouviram gerentes da IBM que haviam comandado equipes na vida real e no universo virtual.
Os autores encontraram três traços da liderança em jogos online que serão essenciais para o líder do futuro à medida que a empresa e o ambiente empresarial como um todo se tornam mais dinâmicos e mais parecidos a um jogo: agilidade, disposição a assumir riscos e aceitação da liderança como papel temporário.
A conclusão mais importante, dizem os autores, é que criar o ambiente de liderança certo pode ser tão importante quanto escolher o líder certo. Uma empresa deveria considerar a adoção de dois aspectos do ambiente de um jogo: incentivos não-monetários, que dão forte motivação para que o indivíduo busque atingir as metas do grupo como um todo; e hipertransparência de informações sobre a qualificação e o desempenho de integrantes da equipe, o que simplifica a tarefa de destacar os indivíduos certos para uma determinada missão e deixa o jogador com autonomia para gerenciar a si mesmo.
Milhões de pessoas estão aprimorando sua capacidade de liderança em jogos para múltiplos participantes na internet. Ferramentas e técnicas ali empregadas vão mudar o estilo de liderar no futuro — e podem tornar esses indivíduos mais eficazes já hoje.
O cenário empresarial do futuro pode muito bem ser território estrangeiro para o executivo de hoje. Em muitas empresas, a responsabilidade por decisões importantes será distribuída organização afora para permitir que todos reajam rapidamente a mudanças. Boa parte do trabalho será conduzida por equipes globais — formadas em parte por profissionais de fora da empresa, sobre os quais o líder não tem autoridade formal — reunidas para um único projeto e, depois disso, desativadas. A colaboração nesses grupos geograficamente dispersos irá se dar basicamente por via digital, e não pela interação cara a cara.
Como será a liderança num mundo assim — um mundo cujas características já começam a transformar os negócios? Pedimos ao leitor que deixe o ceticismo de lado por um instante quando afirmamos que as respostas podem ser encontradas na explosão de estações espaciais, nos monstros grotescos e nos guerreiros de armadura que povoam jogos como Eve Online, EverQuest e World of Warcraft. Apesar do cenário de fantasia, esses universos virtuais — que às vezes respondem pela infeliz sigla MMORPGs (massively multiplayer online roleplaying games) — assemelham-se, sob muitos aspectos, ao ambiente descrito acima. E por isso abrem uma janela para o futuro da liderança no mundo real dos negócios.
É claro que liderar 25 membros de uma guilda num ataque contra o templo de Illidan, o Traidor, nem de longe é o mesmo que comandar uma complexa organização global. Para começar, há um pouco mais em jogo no mundo dos negócios. Mas um game online não deve ser visto como mero passatempo: os mais sofisticados estão para o tradicional videogame assim como a universidade está para a velha escolinha rural. Com efeito, são imensas comunidades virtuais nas quais milhares de jogadores se aliam ou se enfrentam em tempo real, num universo virtual de aspecto tridimensional que segue em evolução mesmo quando o jogador se ausenta.
Os desafios organizacionais e estratégicos enfrentados por jogadores que desempenham o papel de líder são conhecidos: recrutar, avaliar, motivar, recompensar e segurar na equipe indivíduos talentosos e culturalmente distintos; identificar e tirar proveito da vantagem competitiva da organização; analisar múltiplos fluxos de informação (muitas vezes incompleta) em constante mutação para tomar decisões que terão efeito prolongado e de longo alcance. Só que, no jogo virtual, esses desafios de gestão são amplificados, pois a organização precisa ser erguida e sustentada com uma força de trabalho voluntária num ambiente fluido e mediado digitalmente.
Muitas de nossas conclusões sobre o futuro da liderança empresarial causaram surpresa. Para começar, indivíduos que nunca seriam identificados — nem por eles mesmos — como de “alto potencial”, e treinados para postos de gerência na vida real, acabavam assumindo importantes papéis de liderança nos jogos. Ainda mais instigante foi constatar que os casos bem-sucedidos de liderança nesses jogos tinham menos a ver com os atributos individuais do líder do que com o ambiente do game, criado por um programador e realçado pelos próprios participantes. Além disso, certas características desse ambiente — a recompensa imediata pela conclusão satisfatória de um projeto com incentivos não-monetários como pontos pelo empenho e pelo desempenho no jogo, por exemplo — representam mais que mero prenúncio de como a liderança pode evoluir.
A adoção de alguns desses traços característicos do ambiente dos jogos poderia tornar mais fácil liderar as pessoas em empresas do mundo real. A implicação surpreendente é que criar um ambiente de liderança adequado é no mínimo tão importante para a organização quanto eleger os líderes certos.
Uma prévia virtual do futuro da liderança
Jogos online para múltiplos participantes são uma forma de entretenimento cada vez mais popular. São particularmente instigantes. Segundo certas estimativas, o total de jogadores registrados no mundo todo já passa de 50 milhões. O World of Warcraft, sozinho, afirma ter 10 milhões de usuários — gente que paga uma mensalidade de cerca de US$ 15. Os participantes jogam em média 22 horas por semana, segundo Nick Yee, do Palo Alto Research Center; a idade média dos jogadores é 27 anos e cerca de 85% são
Embora os jogos variem em tema e ambientação, muitos são similares na estrutura: entre 40 e 200 participantes formam equipes, ou guildas, que realizam tarefas de dificuldade crescente, por meio das quais o participante adquire habilidades e ferramentas que permitem que avance para o nível seguinte. Membros da equipe podem até se conhecer na vida real, mas em geral a relação nasce no mundo virtual. Na equipe, cada integrante assume responsabilidades e papéis distintos para levar a cabo a missão do grupo. O quadro de participantes está em constante evolução, pois um membro pode se cansar dos colegas ou buscar oportunidades mais atraentes em outros lugares.
Invariavelmente, certos indivíduos assumem o papel de definir a direção da equipe e de liderar as atividades, embora a liderança mude com freqüência. O líder (ou os líderes) de um grupo, que se especializa no contínuo recrutamento, na criação de sistemas de incentivos e na avaliação dos jogadores, não atua necessariamente como líder de missões ou ataques específicos. Um ataque envolve um subconjunto dos membros da guilda e transcorre numa única sessão.
Os desafios enfrentados por uma guilda podem ser organizacional e estrategicamente complexos: um ataque a uma masmorra no World of Warcraft, por exemplo, pode exigir a participação de dezenas de jogadores e durar várias horas. O ambiente competitivo e pautado por metas torna esses jogos muito distintos de outros universos virtuais de imersão como o Second Life (para uma comparação entre os dois tipos de ambiente online, veja o quadro “Jogos online versus mundos virtuais sociais”).
Outra diferença entre o jogo e a realidade é que cada participante atua por meio de um personagem, ou avatar, que adota e personaliza para o jogo — e que facilmente oculta sua identidade verdadeira. Essa possibilidade dá às relações estabelecidas no contexto do jogo um toque único. Estudos em laboratório deixam claro que é alto o investimento emocional dos jogadores em seu avatar. Esse apego, somado à possibilidade de ação por meio de um alter ego, torna a divergência ao mesmo tempo corriqueira e aceitável. Cria-se uma atmosfera de intensa honestidade que, segundo muitos jogadores, aos poucos deixa todos menos avessos a conflitos dentro do grupo.
Ainda assim, nossas descobertas reforçaram a tese inicial de que a liderança exercida em jogos online oferece uma prévia de como será o futuro no mundo dos negócios. Em linhas gerais, pode-se esperar que esse ambiente seja caracterizado por grupos de trabalho fluidos, atividades de trabalho auto-organizadas e colaborativas, e liderança descentralizada e não-hierárquica — como acontece nos jogos. Em termos mais específicos, identificamos várias características da liderança em jogos online que apontam para alguns dos traços que o líder do futuro terá de exibir para triunfar (jogos online são uma oportunidade de desenvolver não só essas novas habilidades, mas também muitos dos atributos da liderança nos dias atuais.
O futuro chegou
Ainda que aceite o argumento de que elementos de jogos podem tornar mais fácil a liderança, a maioria dos dirigentes empresariais seguirá duvidando que uma empresa possa adotá-los — salvo, é claro, se esses líderes já tiverem participado de jogos online para múltiplos jogadores.
Para observar a reação de gerentes que freqüentam regularmente esses laboratórios de liderança virtual e, depois, retornam ao mundo dos negócios, a IBM entrevistou 135 de seus funcionários que haviam liderado equipes na empresa e que também tinham sido líderes ou membros de guildas em jogos online. Na maioria dos casos, esses indivíduos afirmaram que os jogos eram surpreendentemente relevantes para suas atividades profissionais. Um total de 75% dos entrevistados responderam que fatores ambientais de jogos para múltiplos participantes poderiam ser usados para aumentar a eficácia da liderança numa empresa global. Quase 50% disseram que o jogo já havia melhorado seu poder de liderar no mundo real, especialmente na gestão de equipes cujos integrantes não estavam sob sua autoridade formal.
Muitos disseram, porém, que a adoção em larga escala das abordagens à liderança encontradas em jogos online exigiria mudanças na cultura da maioria das organizações. A incapacidade de atingir uma meta na primeira tentativa geralmente é vista como experiência de aprendizagem no contexto dos jogos. Depois disso, o jogador “tenta de novo, com novos conhecimentos”, segundo um dos entrevistados. Há um alto contraste com o que se vê no mundo empresarial, onde “tentar de novo é difícil”, completou.
Mas os jogos, e a geração que cresceu imersa nesse ambiente, podem acabar catalisando mudanças no tipo de liderança exercida em ambientes empresariais. Essa nova leva de trabalhadores trará consigo — primeiramente como seguidores, depois como líderes — noções aprendidas em jogos sobre os melhores métodos de liderança.
No final, o local de trabalho inteiro poderia ficar mais parecido com um jogo — com interfaces inspiradas em games transformadas em sistemas operacionais tridimensionais para o “trabalho sério”. Isso acentuaria não só a liderança, mas toda sorte de colaboração e inovação. No mínimo, ambientes e técnicas viabilizados pela onda digital poderiam aumentar a produtividade ao tornar vários aspectos do trabalho mais simples, menos enfadonhos e — por que não? — mais divertidos. Não seria, necessariamente, algo ruim.
___________________________________________
Byron Reeves (reeves@stanford.edu) é titular da cátedra Paul C. Edwards Professor of Communication na Stanford University, nos EUA, e co-fundador da Seriosity, empresa americana que desenvolve software e serviços inspirados em jogos online.Thomas W. Malone (malone@mit.edu) é titular da cátedra Patrick J. McGovern Professor of Management na Sloan School of Management (MIT), também nos EUA; é integrante do conselho da Seriosity e co-autor de “Em louvor ao líder incompleto” (HBR Fevereiro 2007). Tony O’Driscoll (tmodrisc@ncsu.edu) é professor de prática administrativa, inovação e empreendedorismo na Jenkins Graduate School of Management (North Carolina State University); foi membro da equipe de liderança do projeto On Demand Learning, da IBM.